"Os valores morais são os únicos que conservaram os preços de antigamente!"
"Esperanto é a língua universal que não se fala em lugar nenhum do mundo!"
"A liberdade econômica é a condição necessária da liberdade política"
O professor de ciência política da UFBA, Jorge Almeida, acaba de lançar, em parceria com o também professor, da Uneb, Eliziário Andrade, o livro “Turbulências e desafios: o Brasil e o mundo na crise do capitalismo”* (Editora Dialética). Nesta conversa com o portal A TARDE, ele fala da ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo e diz que o governo Lula precisa romper com os partidos do chamado centrão.
Como você avalia a eleição de Javier Milei na Argentina e a escalada da extrema direita no mundo?
Em primeiro lugar é preciso entender que essa extrema direita está crescendo por dentro da velha direita. Na medida que surge essa extrema direita, fica parecendo que não tinha uma direita antes. Na verdade existe uma direita liberal, inclusive uma direita autoritária, mas que sempre esteve presente no Brasil, na Argentina. O governo anterior de Macri na Argentina era direita. O presidente do Chile, anterior ao Boric, o Piñera, era direita. O FHC (Fernando Henrique Cardoso) era do PSDB, aliado ao PFL, que é um partido de direita, e aplicou políticas neoliberais de direita. A Colômbia vem sendo governada por presidentes de extrema direita há muitos anos. Perdeu a eleição agora.
De onde veio esse crescimento?
Na minha opinião esse crescimento se dá por conta de uma percepção de uma parte significativa do eleitorado dos países onde a extrema direita cresce, de que tanto a direita liberal quanto isso que se chama de centro esquerda ou de uma esquerda liberal, como tem sido o PT, o Fernandez (presidente da Argentina), o partido socialista do Chile, não têm atendido as demandas populares. Então, o que a gente tem visto nos países onde a extrema direita cresceu é que antes existia um revezamento entre essa direita tradicional e esses partidos sociais democratas ou de centro esquerda, como queira chamar. Que efetivamente não são esquerda nem extrema direita. Há um desgaste das forças políticas tradicionais e a extrema direita se apresenta contra essa ordem, com um discurso anti-sistêmico e acaba capitalizando essa insatisfação.
Um discurso conservador também.
Outro elemento importante é a capitalização político-eleitoral dos setores mais conservadores da sociedade. Esse segmento cresceu também por conta do avanço de igrejas evangélicas neopentecostais, mais fundamentalistas, que além de ser de direita e conservadora tem um certo enraizamento social nos meios mais populares que acaba funcionando como uma correia de transmissão.
Mas o que se tem visto é que mesmo conseguindo chegar ao poder, essa extrema direita também não consegue atender aos anseios da população.
Entra um e sai outro. Porque nem a direita, nem a extrema direita, nem a social democracia, a centro esquerda, como nenhuma delas consegue dar respostas efetivas a esse contexto de crise, que é uma crise mundial, profunda, já de alguns anos, que repercute em todos os países de uma maneira ou de outra.
Qual a origem dessa crise?
Há uma crise estrutural do capitalismo, que tem forçado os capitalistas, os empresários, no caso, e os estados dirigidos no interesse desses capitalistas, a tomarem uma série de medidas antipopulares como as privatizações, a quebra de direitos trabalhistas, a quebra de direitos sociais. O problema é que quando a extrema direita chega ao poder faz a mesma coisa ou pior. Como no caso do Bolsonaro. Boa parte dos que votaram em Bolsonaro não eram exatamente de extrema direita e conservadores, votaram porque era contra Lula, e em 2022 votaram em Lula contra Bolsonaro. Ficam tateando de forma mais pragmática, procurando uma resposta.
Essa incapacidade de atender as demandas populares aponta para uma falência do estado?
Não acho que seja falência do estado. O estado tem muitas funções diferentes. Mas o que está existindo é um certo esvaziamento, dependendo de um país para o outro, de certas funções sociais que o estado teve e ainda tem, em parte. No sentido de regular as relações de trabalho, garantir certos direitos dos trabalhadores, garantir um mínimo de educação e saúde pública, previdência social, outras políticas compensatórias, como Bolsa-Família, projetos sociais como Minha Casa, Minha Vida. Mas o estado não está perdendo seu papel coercitivo, inclusive no seu papel de coibir manifestações, nesse aspecto o estado está mais forte do que antes.
Diante dessa crise do capitalismo, você já consegue ver um processo de transição?
Alteração do sistema capitalista para melhor não existe. Mudanças nesse sentido não vão vir se não houver um processo de reorganização de movimentos populares autênticos, do ponto de vista internacional de trabalhadores e trabalhadoras, da juventude, se não houver organização forte a tendência é piorar. O que está acontecendo do ponto de vista internacional é o enfraquecimento dos Estados Unidos, como potência imperialista, que depois do fim da União Soviética e até aquele pico da crise de 2008, se apresentava como imperialismo unipolar, hegemônico e incontestável. E agora nós estamos vivendo um outro momento, porque com a ascensão da China do ponto de vista econômico, político e tecnológico, e sua aliança com a Rússia, que não deixou de ser uma potência militar com o fim da União Soviética, essa aliança levou o mundo a um novo momento que eu tenho chamado de bipolarização interimperialista. Ou seja, são dois blocos, um liderado pelos Estados Unidos, em aliança com Europa, com Japão e outros países, e outro bloco liderado pela China mais a Rússia, também com seus aliados, como o Irã e outros aliados menores. Então o contexto mundial hoje é de uma crise, profunda crise econômica do capitalismo, que não é só uma crise econômica, é uma crise financeira, uma crise ambiental profunda, uma crise sanitária, uma crise alimentar e energética.
E você consegue projetar alguma convergência?
Existe um maior equilíbrio de forças mas com maiores instabilidades política e econômica. Agora o Xi Jinping (presidente chinês) esteve com o Biden (Joe Biden, presidente dos Estados Unidos) se reúnem, batem fotografia com aperto de mãos mas por baixo é canelada.
E como você vê a capacidade de organização social para reverter as perdas de direitos, já que nos últimos anos, as ruas foram ocupadas por movimentos de direita?
Isso é uma realidade. De fato, a direita mais extremada, no caso do Brasil com características neofascistas claras, tem ocupado mais esse espaço das ruas. Isso tem uma semelhança com o autor italiano Antonio Gramsci, que viveu o período do fascismo na Itália. Ele chamava atenção nisso, que de repente aparecia setores da classe média que não costumavam se manifestar e começavam a de certa maneira plagiar o que antes os trabalhadores faziam. E realmente nós vimos isso no período mais recente. E isso precisa ser revertido. Os sindicatos estão muito acomodados. Muitas organizações sociais, a própria juventude, o próprio MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), hoje são organizações que estão muito mais acomodadas.
Essa recuperação da capacidade de mobilização passa também pela necessidade de reverter algumas reformas que impuseram perdas aos trabalhadores? Você acha isso possível?
Eu acho que a esquerda, a chamada esquerda e os movimentos sociais precisam colocar como centro da sua pauta a recuperação desses direitos. Não podem continuar com medo da extrema direita e ficando na defensiva. Eu acho que a melhor maneira de enfrentar a extrema direita é o renascimento de uma esquerda que seja combativa, integrada com movimentos sociais e lutando pela recuperação dos direitos perdidos e para conquistar novos direitos.
Como você vê essa queda de avaliação da popularidade do presidente Lula nas últimas pesquisas?
Subidas ou descidas de uma pesquisa para outra não significa muita coisa. Essa é a primeira questão. A segunda questão é que o governo Lula é marcado por ambiguidades. Iniciou tomando algumas medidas interessantes. Melhorou um pouco o salário mínimo, deu um primeiro aumento para os servidores, retomou um pouco do financiamento da produção agrícola familiar. Retomou Minha Casa, Minha, Vida, Mais Médicos, medidas que atendem, mesmo que bem parcialmente, essas demandas dessa crise social que a gente está vivendo. Houve uma melhora no crescimento econômico, desemprego tá caindo um pouco, isso são questões que ajudam a ter uma imagem mais positiva. Mas, por outro lado, no fundamental, mais abrangente, as coisas não estão andando muito. E depois nós temos um outro problema. É que a direita não está somente fora do governo, boa parte está dentro. PP, PL, PSD, são partidos de direita, o União Brasil, estão todos no governo, inclusive com muitas figuras que estiveram no governo Bolsonaro, pessoalmente. A direita faz a agitação fora, mas está dentro também, feito cupim, comendo por dentro. Isso também é um dos elementos que limita a ação do governo. Você pega a reforma tributária, o ajuste fiscal que está sendo feito, todos eles prejudicam o avanço da recuperação de direitos. Todos eles vão mais na ideia de enxugamento do estado. Grande parte do PAC que está sendo previsto é para ser feito com leilão, com privatização de empresas ou de áreas econômicas. Então, o governo Lula não rompeu com as políticas macroeconômicas neoliberais.
E você vê possibilidade de mudar essa diretriz com o congresso atual?
Eu acho que, em princípio, não há impedimento para que o Presidente da República apelar para a mobilização popular para dar andamento às suas políticas. Eu acho a solução melhor seria exatamente isso, o governo se apegar menos a fazer os conchavos de troca de cargos e de questões programáticas para poder manter alguma maioria que é parcial, porque quando você embarca numa canoa dessa, cada votação vai ser uma chantagem. Eu acho que era preciso romper com esse tipo de política, mas do jeito que o governo Lula está andando não acredito que ele vá fazer isso. No fundo o Brasil precisa romper com a dependência econômica internacional. Inclusive com a China, que muita gente acha que é a salvação.
*O livro “Turbulências e desafios: o Brasil e o mundo na crise do capitalismo” está disponível no site da editora Dialética.
Foto: Reprodução / Redes sociais
Fonte: https://atarde.com.br
Leia mais em:
Instagram: @epidauropamona
Faceboom: epidauro.pamplona.7
© 2025, Epidauro Pamplona - Todos direitos reservados.
Desenvolvido por
SITIWEB